sábado, 14 de julho de 2012

O filme "Na estrada": paisagem delirantemente racional

Li em várias críticas recentes que teria faltado um certo "grão de loucura" ao filme "Na estrada" de Walter Salles, elemento necessário para que a experiência dos personagens Dean Moriarty, Sal Paradise e Marylou se tornasse também catarse aos espectadores. Concordo em parte. Mas antes de falar sobre isso acho interessante dizer sobre a depurada linguagem, o roteiro conciso e inteligente guiando o filme por cenas muito trabalhadas em seu ritmo e intensidade, com texturas de imagens que expõem uma fotografia mais elegante do que insólita, o que pode ser inclusive um convite a horas incansáveis de viagem. Não acho que tenha faltado loucura ao filme, senti em cada cena um entendimento profundo da narrativa e, o que me pareceu mais forte, foi ver que os atores-personagens experimentavam com verdade aquela trajetória. Sim, Walter Salles passou anos pesquisando e vivendo o livro em viagens pelo interior dos EUA, e essa experiência se explicita no filme inteiro. Mas o que talvez tenha faltado nessa obra foi um elemento comovente. Pensei principalmente num aprofundamento dos dramas do personagem protagonista Sal, no filme, um escritor mais observador do que ser atormentado. Talvez a sua construção não tenha alcançado a dimensão profunda que o filme comportaria. Penso a cena em que Sal se deita com Dean e Marylou e, principalmente, a que ele fica doente no México e tem alucinações febris. Talvez se as cenas durassem mais, e fossem exploradas de modo mais dramático as repercussões psicológicas de tais experiências em Sal, haveria algo mais tenso e mais catártico no filme, cuja duração é de 2h17, mas poderia facilmente durar umas 4 horas. Talvez a falta do "grão de loucura" esteja nesse respeito excessivo a um roteiro conciso, que quer expor toda a viagem com elegância e inteligência, mas que em certos momentos não dá abertura à profunda dramaticidade do escritor, que ficou mais latente do que escancarada. Já Dean está perfeito, um dioniso amoral e rascante, cuja atuação no mundo é muito mais explícita, ativa e descontrolada. O problema, porém, é que o sempre tenso sentimento amoroso que liga os dois personagens, o qual a todo momento é afirmado em diálogos entre ambos, não se desenvolve mais e melhor em duração de imagens. Talvez isto proporcionasse uma liga comovente e catártica com o espectador, mas fica a desejar.     

sábado, 3 de março de 2012

o arquiteto angelo bucci

angelo bucci podia ter ganhado o concurso para a nova sede do instituto moreira salles na av. paulista. há no projeto uma possível leveza em estruturas maciças de concreto, os grandes blocos com fendas entre si, as paredes laterais dispostas no topo com inclinações distintas, o bloco central suspenso, as torres divididas por vãos que descem da cobertura até o térreo - tudo dá a impressão de peças soltas, fáceis de compreender e de até mesmo girar ou encaixar na estrutura do todo, um edifício quase brinquedo, potência de sonho:







será que bucci deseja um prédio que decole, uma casa navio passarola? a casa de ubatuba é uma fantasia aérea:



         

vejo sempre um delírio ascencional, massas de cimento na mão de um prestidigitador; e até agora não falei dos espaços, da jogatina com a visão de quem cruza as portas, ou de quem apenas imagina o que é estar dentro de uma obra sua; sinto e vejo, apesar de nunca ter sentado nas casas de carapicuíba ou santa teresa:



   

no ensaio "pedra e arvoredo" (http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.041/644), bucci fala  sobre o desejo de expor o processo de construção das obras, do prazer de saber o que existe dentro delas, de imaginá-las sempre inacabadas, sempre em movimento. fala também do drama da ocupação de são paulo, dos rios soterrados cravejados de lixos, e traça um paralelo com a história de cidades submergidas, cujas pedras emitem hoje reflexos, bolhas, mistério.

subverter a natureza da pedra, torná-la trem, madeira, estrutura metálica, gruta atravessada por rio, parque, cubo de treva, conversa entre praça, rua e elevador, ou se tornar escritura (quiçá um poema)  - o que será a criação desse arquiteto?