sábado, 2 de julho de 2011

cozinha espanhola

Para quem é gourmand ou mesmo glutão como eu e pensa em vir à Espanha fartar-se com tapas e especialidades da terra, não crie um imaginário de delicadeza ou diversão. Mas talvez seja possível divertir-se para quem quiser desconstruir um discurso que vem se alastrando, o da brilhante cozinha espanhola, por revistas especializadas e, em São Paulo, com o surgimento de restaurantes pomposos e ditos "gastronômicos" como clos de los tapas arola vintetres.
Há mais de uma semana pela Andaluzia e Madri, me surpreende a avacalhação dos restaurantes desta terra ariana, maravilhosa, gritalhona. Acostumado à cozinha de vó, e aos milhares de lugares honestos da minha cidade, fico pasmo com a maioria dos estabelecimentos (não falo só de populares ou "bocas de porco"): sujeira no chão, nas mesas, nas paredes, nos balcões dos cozinheiros; as tapas nas vitrines que, segundo dizem, são feitas de manhã mas parecem preparadas há dias; as graciosas fotografias dos pratos; os garçons que jogam os pratos na mesa (que por coincidência são chamados de raciones). Defino o ambiente e a cozinha como encardidos.

Mas fui também a restaurantes recomendados ou gastronômicos. Em Ronda estava vazio, um maitre petulante, cheio de lições, os pratos pareciam lições de técnica, retórica culinária : espumas, texturas diversas,  salteamento, cocção em etapas, ingredientes da região, criatividade, identidade andaluza. Tudo estava muito bem feito, mas a pretensão exagerada deu um bode. Em Madri se esbanja ornamento, desenhos, ingredientes inesperados - todos buscam originalidade, mas caem no brega, no gosto estranho, na mistura errada de sabores. São viciados em jamón, que só é bom mesmo se pata negra de bellota; senão chega a ter gosto de carniça. Sem afeto, sem surpresa, sem acolhimento, ando comendo mal na Espanha, e ainda não conheci seus famosos cozinheiros.  

Hoje no Reina Sofia pensei na arte, na arquitetura, enquanto espaços de provocação e acolhimento. O quadro "Figuras à borda do mar" de Picasso, em que uma casa simples mas exata dá suporte um ser maciço, conflituoso. O pavilhão de Nouvel, cheio de ventos, luzes medidas, volumes silenciosos sob os quais se contempla o passeio, as pessoas abertas. Não sei dizer se grandes cozinheiros seriam artistas; mas acho que são alquimistas, talvez pássaros: produzem ninhos.